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A Importância da Mentoria na Carreira Acadêmica em Medicina
Publicado em 28/10/2024 às 19:35Características da Mentoria
A mentoria desempenha um papel crucial na formação de profissionais médicos e acadêmicos, especialmente na fase inicial de suas carreiras. Mais do que um processo de orientação, a mentoria é uma parceria estruturada e intencional entre mentor e mentorando, voltada para o desenvolvimento pessoal e profissional de longo prazo. Esse processo é caracterizado pela iniciativa do mentorando, que busca ativamente o apoio de mentores para alcançar suas metas e aprimorar suas competências.
Na mentoria, o mentor não se limita a transmitir conhecimentos técnicos, mas também oferece suporte em aspectos como habilidades interpessoais, cultura organizacional e estratégias de desenvolvimento de carreira. Esse relacionamento gera impacto na trajetória profissional e na satisfação com a carreira, pois fortalece as habilidades e a confiança do mentorando.
Indicadores de Eficácia na Mentoria
A eficácia de uma relação de mentoria pode ser avaliada por meio de indicadores específicos, que refletem o sucesso do processo em termos concretos e mensuráveis. Alguns dos principais indicadores incluem:
Desempenho Acadêmico e Clínico: A mentoria eficaz resulta em melhor desempenho em atividades clínicas e acadêmicas, proporcionando ao mentorando uma base sólida para suas práticas e pesquisas.
Produção Científica: A colaboração com mentores experientes pode aumentar a produção de artigos científicos, capítulos de livros e publicações em geral, que são essenciais para o crescimento acadêmico.
Avanços na Carreira: O mentorado frequentemente progride na carreira de forma mais ágil, conquistando oportunidades como promoções, posições de liderança e inserção em redes profissionais relevantes.
Ferramentas para Medir a Qualidade da Mentoria
A qualidade da mentoria não precisa ser apenas subjetiva; ela pode ser avaliada de forma objetiva, utilizando-se ferramentas de medição específicas, como escalas de eficácia. Essas ferramentas permitem que o mentorado avalie a orientação recebida em termos de impacto real no seu desenvolvimento. Ao medir variáveis como a frequência de reuniões, a clareza dos feedbacks e o suporte em desafios específicos, essas ferramentas ajudam a assegurar que a relação de mentoria esteja cumprindo seus objetivos e proporcionando o suporte necessário para o mentorado.
Conclusão
Uma relação de mentoria eficaz, iniciada pelo mentorando, é um fator transformador para o desenvolvimento profissional em medicina. Através de uma parceria estruturada e com objetivos claros, o mentor oferece orientação que vai além do conhecimento técnico, formando profissionais mais preparados e líderes mais engajados. E, com o uso de ferramentas objetivas de medição, é possível garantir que o impacto da mentoria seja positivo e alinhado às metas de desenvolvimento do mentorado, contribuindo de forma concreta para o sucesso na carreira médica.
Por isso, alunos e residentes são fortemente encorajados a buscar mentores entre os professores do Departamento de Cirurgia da UFSC, aproveitando a experiência e o conhecimento dos docentes para impulsionar seu desenvolvimento pessoal e profissional.
Referência
Berk, R. A., Berg, J., Mortimer, R., Walton-Moss, B., & Yeo, T. P. (2005). Measuring the effectiveness of faculty mentoring relationships. Academic Medicine, 80(1), 66-71. https://doi.org/10.1097/00001888-200501000-00017⬤
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A Base Moral da Liderança Médica: Virtudes Essenciais para Médicos
Publicado em 13/10/2024 às 14:15Em tempos de crescente complexidade nos sistemas de saúde, líderes médicos enfrentam o desafio de equilibrar eficiência gerencial e ética fiduciária. Mais que gestores focados em metas financeiras, eles têm o dever moral de atuar como fiduciários de seus pacientes, conforme discutido por Chervenak e McCullough no artigo “A Base Moral da Liderança Médica”.
Virtudes Fundamentais da Liderança Médica
Humildade: Líderes médicos devem agir sem preconceitos ou favoritismos, garantindo que decisões beneficiem equipes e pacientes de forma justa. Preconceitos comprometem o julgamento, resultando em desigualdade no tratamento.
Abnegação: É essencial priorizar pacientes e equipes, mas sem comprometer a própria saúde a ponto de prejudicar a liderança. Sacrifícios devem ser ponderados, evitando o autossacrifício extremo.
Compaixão: Além de um dever clínico, compaixão na liderança envolve compreender desafios enfrentados por colegas, liderando com empatia em contextos de mudanças organizacionais.
Integridade: Decisões baseadas em evidências e transparência são cruciais. Líderes devem fomentar ambientes de confiança, promovendo uma cultura ética que valorize o cuidado ao paciente.
Riscos dos Vícios na Liderança
Chervenak e McCullough alertam contra vícios como viés injustificado, interesses próprios e corrupção. Quando líderes priorizam ganhos pessoais sobre o cuidado, enfraquecem o profissionalismo e minam a missão institucional.
Relevância Atual
Hoje, mais do que nunca, líderes médicos precisam garantir que instituições mantenham compromissos éticos. Uma liderança ancorada em humildade, abnegação, compaixão e integridade não só melhora os resultados clínicos, mas também promove ambientes saudáveis e valorizadores para pacientes e equipes.
No Departamento de Cirurgia, professores buscam inculcar essas virtudes nos estudantes, preparando futuros líderes médicos comprometidos com ética e bem-estar. Liderar com uma bússola moral é fundamental para colocar o paciente no centro das decisões, especialmente em um cenário onde questões financeiras ganham destaque.
Referência
CHERVENAK, F. A.; McCULLOUGH, L. B. The moral foundation of medical leadership: The professional virtues of the physician as fiduciary of the patient. American Journal of Obstetrics and Gynecology, v. 184, n. 5, p. 875-880, 2001.
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Desafios de Liderar um Departamento Acadêmico
Publicado em 05/10/2024 às 19:12Ser o chefe o de um Departamento Acadêmico envolve navegar em uma teia complexa de responsabilidades. Recentemente, me deparei com um artigo perspicaz de Rosemary Caron, intitulado ‘Liderança Departamental: Navegando Tensões Produtivas Enquanto se Encontra em um Papel Paradoxal,’ que aborda muitos dos desafios que acompanham a função de chefe de departamento.
Caron destaca algumas das principais dificuldades enfrentadas pelos chefes de departamento, que ressoam com minha própria experiência:
1.Equilibrar Funções Acadêmicas e Administrativas: Um dos desafios centrais é equilibrar o papel de líder acadêmico com o cumprimento de deveres administrativos. Frequentemente há uma tensão entre manter altos padrões acadêmicos e lidar com restrições logísticas e orçamentárias. Precisamos garantir que nossos programas permaneçam acreditados e mantenham a qualidade, ao mesmo tempo em que enfrentamos limitações de recursos — algo com o qual estamos bastante familiarizados.
2.Gerenciar Expectativas do Corpo Docente e a Unidade do Departamento: Outra dificuldade relatada no artigo é o desafio de criar uma equipe docente coesa. Os professores muitas vezes têm visões divergentes sobre o desenvolvimento curricular, as prioridades de ensino e o foco da pesquisa. Construir consenso enquanto respeita as perspectivas individuais pode ser uma fonte contínua de tensão. Alinhar os objetivos dos docentes com a visão mais ampla do departamento exige diálogo constante e negociação.
3.Falta de Autoridade Formal: Caron também enfatiza o paradoxo de ocupar o título de chefe de departamento, mas ter autoridade limitada para tomar decisões importantes. Há (muitos) momentos em que as políticas institucionais limitam a flexibilidade necessária para uma liderança mais adaptativa e compassiva. Restrições administrativas podem dificultar os esforços para apoiar plenamente o corpo docente e a equipe.
4.Sustentar o Progresso a Longo Prazo: Por fim, o artigo discute como as prioridades institucionais de curto prazo muitas vezes entram em conflito com as metas de longo prazo do departamento. Por exemplo, decisões sobre o desenvolvimento de programas ou mudanças curriculares às vezes precisam ser tomadas com vistas às necessidades imediatas, mesmo quando essas escolhas podem não estar alinhadas com a estratégia de crescimento de longo prazo do departamento.
Embora esses desafios possam gerar frustração, Caron argumenta que a tensão produtiva — quando bem gerida — pode levar a resultados positivos, como programação acadêmica inovadora e dinâmicas de equipe mais fortes. Pessoalmente, descobri durante minha careira, que abraçar essa tensão, em vez de evitá-la, muitas vezes leva a soluções construtivas. Mas isso exige reflexão e diálogo contínuos, tanto dentro do departamento quanto com a administração superior.
Incentivo todos no nosso departamento — professores, funcionários e estudantes — a compartilhar suas opiniões e experiências enquanto continuamos a navegar juntos por esses desafios.
Diálogo, abertura a novas ideias, respeito à diversidade de opiniões, comunicação efetiva e colaboração são fundamentais para o sucesso de qualquer departamento acadêmico e para o desenvolvimento de uma cultura organizacional sólida e inclusiva, que valoriza o crescimento coletivo.
Prof. Getúlio R de Oliveira Filho
Chefe do Departamento de Cirurgia
Referência: Caron, R. M. (2019). Departmental Leadership: Navigating Productive Tension While in a Paradoxical Role. Frontiers in Education, 4, 97. https://doi.org/10.3389/feduc.2019.00097
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Além da Técnica: Habilidades Não Técnicas que Moldam o Cirurgião
Publicado em 02/10/2024 às 18:57Na sala de operações, a proficiência técnica não é mais suficiente para garantir os melhores desfechos para os pacientes. Além de dominar as técnicas cirúrgicas, os cirurgiões precisam desenvolver habilidades não técnicas (HNT), como comunicação, liderança, trabalho em equipe, tomada de decisão e consciência situacional, reconhecidas como essenciais para um desempenho seguro e eficaz. Este texto explora essas habilidades com base na revisão seminal de Yule et al. (2006), que destacou sua importância como componentes críticos da competência cirúrgica.
Reconhecimento das Habilidades Não Técnicas
Historicamente, o treinamento cirúrgico focava em habilidades técnicas, mas falhas nos aspectos não técnicos são frequentemente responsáveis por eventos adversos. Segundo Yule et al., 43% dos erros cirúrgicos são causados por falhas de comunicação, ressaltando a necessidade de integrar o treinamento em HNT para melhorar a segurança do paciente.
Habilidades Não Técnicas Fundamentais
1.Comunicação: A comunicação eficaz entre os membros da equipe cirúrgica é crucial. Falhas podem levar a atrasos e erros evitáveis.
2.Trabalho em Equipe: Colaboração entre cirurgiões, enfermeiros e anestesiologistas é vital. Criar um ambiente de confiança e abertura promove melhor desempenho.
3.Liderança: Cirurgiões devem liderar equipes, tomar decisões rápidas e gerenciar crises de forma eficaz.
4.Tomada de Decisão: Decisões intraoperatórias precisam ser assertivas, avaliando riscos sob pressão.
5.Consciência Situacional: Manter a percepção do ambiente cirúrgico – incluindo o estado do paciente e as ações da equipe – é essencial para a segurança.
Impacto das Habilidades Não Técnicas
HNT impactam diretamente os desfechos dos pacientes, reduzindo erros e melhorando o desempenho da equipe. Yule et al. identificaram falhas de liderança e comunicação como causas frequentes de eventos adversos evitáveis. O cultivo dessas habilidades melhora a segurança e a eficiência nas operações.
Treinamento e Avaliação de HNT
Apesar de sua importância, o treinamento cirúrgico tradicional dá pouca ênfase às HNT. Yule et al. defendem um treinamento estruturado e avaliações baseadas em sistemas de marcação comportamental. Setores como aviação e anestesiologia já utilizam práticas semelhantes com sucesso. Integrar esse treinamento nos currículos cirúrgicos e fornecer feedback estruturado prepara melhor os cirurgiões para as demandas da sala de operações.
Conclusão
Com o aumento da complexidade na cirurgia, a necessidade de domínio em HNT torna-se ainda mais evidente. Comunicação, liderança, trabalho em equipe e tomada de decisão são indispensáveis para melhorar os desfechos. Incorporar essas habilidades no treinamento e avaliação da competência cirúrgica promove uma abordagem mais holística, garantindo que os cirurgiões sejam tecnicamente proficientes e preparados para gerenciar a dinâmica da sala de operações.
Referência
Yule, S., Flin, R., Paterson-Brown, S., & Maran, N. (2006). Non-technical skills for surgeons in the operating room: A review of the literature. Surgery, 139(2), 140-149.
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Ampliando as Teorias Educacionais no Ensino Médico: A Importância do Trabalho em Equipe
Publicado em 29/09/2024 às 12:58
Além da pedagogia e da andragogiaNo artigo “Ampliando as Concepções de Aprendizado na Educação Médica: A Mensagem do Trabalho em Equipe,” Alan Bleakley examina criticamente a aplicação limitada de teorias educacionais na educação médica, destacando o predomínio das teorias centradas no indivíduo, como o aprendizado de adultos, o aprendizado experiencial e a prática reflexiva. Ele argumenta que essas teorias tradicionais não captam plenamente as complexidades do aprendizado em ambientes médicos dinâmicos, baseados em equipes.
Bleakley aponta que a educação médica frequentemente favorece modelos individualistas, que enfatizam a autonomia e o aprendizado autodirigido. No entanto, esses modelos não conseguem explicar como o aprendizado ocorre dentro dos contextos colaborativos e socioculturais das equipes clínicas. Ele sugere que as teorias de aprendizado socioculturais, que veem o aprendizado como algo distribuído entre pessoas e artefatos, oferecem uma estrutura mais robusta para entender como os profissionais de saúde aprendem em equipes.
Teorias de aprendizado sociocultural
Tanto os modelos dinamicistas quanto a teoria da atividade podem ser considerados parte das teorias de aprendizado sociocultural. Essas teorias se concentram no aprendizado como um processo que ocorre em contextos sociais e culturais, onde o conhecimento é distribuído entre pessoas, artefatos e o ambiente.
•Os modelos dinamicistas destacam como o aprendizado ocorre em sistemas complexos e dinâmicos, nos quais a interação entre membros de uma equipe e os recursos disponíveis influencia o aprendizado.
•A teoria da atividade, por sua vez, vê o aprendizado como algo que acontece dentro de sistemas de atividades sociais, enfatizando a importância da participação em práticas coletivas para a construção de conhecimento.
Ambos os modelos desafiam a visão tradicional de aprendizado centrado no indivíduo, focando em como o conhecimento é produzido e compartilhado dentro de sistemas interativos e colaborativos, o que é um princípio fundamental das teorias socioculturais de aprendizado.
Recomendações
O artigo incentiva os educadores médicos a adotar uma gama mais ampla de teorias de aprendizado, incluindo modelos dinamicistas e a teoria da atividade, que explicam melhor a natureza fluida e interconectada da prática clínica. Essas abordagens enfatizam o papel do trabalho em equipe, da comunicação e do conhecimento compartilhado, todos essenciais em ambientes médicos de alto risco, onde a segurança do paciente é prioritária.
Em conclusão, Bleakley defende a integração de modelos socioculturais na educação médica para abordar a complexidade real dos ambientes de saúde, garantindo que as teorias de aprendizado não se concentrem apenas na cognição individual, mas também na natureza coletiva e interativa da prática médica.
Referência: Bleakley A. Broadening conceptions of learning in medical education: the message from teamworking. Med Educ. 2006;40(2):150-157. doi:10.1111/j.1365-2929.2005.02371.x.